quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Mitos Virtuais

Esta matéria é excelente.... 
ALTAMENTE PERECÍVEL TAMBÉM É CULTURA...

Mitos virtuais
É preciso cuidado com sites e páginas que, em pleno século 21, ainda propagam mitos sobre as palavras e até corrigem ditos consagrados.


Por José Augusto Carvalho

O nome "cesariana", que designa a operação de parto, não tem nada a ver com Júlio César. O nome próprio "César", aliás, que deu origem ao nome genérico dos imperadores alemães e russos ("kaiser" e "czar" ou "tzar", respectivamente) é de ori­gem etrusca, não latina. São dados de Ernout e Meillet, em Dictionnaire Etymologique de la Langue La­tine (Paris: Klincksieck, 1967, s.v. Caesar). "Cesaria­na" relaciona-se com o verbo caedo, -is, cecidi, caesum, caedere, que deu origem ao fr. ciseaux (tesoura), ao ing. scissors (tesoura), à raiz -cida (de homicida, suicida, formicida etc.) e a nomes como "cisão", "cir­cuncisão", "incisão", "rescisão", "precisão" (corte pré­vio, isto é, eliminação do supérfluo) etc.
O Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de Antenor Nascentes, confirma: antes de Júlio Cé­sar, muitos já haviam nascido por cesariana, até Ci­pião, o Africano, que viveu antes de César, quando essa operação já se chama­va assim.
A internet tornou ainda mais comum a crença fácil na etimo­logia popular, que não explica nada, mas alimenta a imagina­ção do leigo curioso. O nome "forró", por exemplo, não tem a ver com o inglês for all, ape­sar do filme com esse nome e da tradição generalizada. "Forró" é só a abreviatura de "forrobodó", que for all não explica. Basta consultar o Aurélio para atestar isso. O Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo, esclarece, e elimina essa boba­gem inventada e divulgada por quem não tem conhecimento, mas muita imaginação.

Lista extensa
Circulam na internet versões "corrigidas" de expressões popu­lares e até da trova popular Batatinha Quando Nasce. Essas versões que preten­dem corrigir as expressões populares são anticientíficas, sem respaldo documental, sem explicação de como ocorre­ram as alte­rações fônicas, e devem ser despreza­das. As ver­sões que circu­lam na rede não devem ser levadas a sério. Aliás, é extensa a lista de fal­sas etimologias:

"Sincero" não tem nada a ver com "sem cera" (o sin-, de "sin­cero", tem relação com o sim- de "simples"; e o -cero tem relação com -cel-, de "excelso" ou com o -cer- de "prócero").

"Pontífice" nada tem a ver com construtor de pontes (o pontifex latino sempre designou o sa­cerdote romano, sem relação com o verbo facere, fazer, e ainda me­nos com pons, ponte).

"Religião" nada tem a ver com o verbo "ligar", mas com "ler". A raiz da palavra se relaciona com o -lig- de "diligente" ou "inteligente" ou com -leg-, lec-, -lei, le- de "ele­ger", "lecionar", "eleitor" e "ler", respectivamente. O re- inicial é prefixo oriundo de red(i), vir, vol­tar, que aparece em "redivivo" ou "relíquia". Uma consulta ao Dictio­nnaire Étymologique de la Langue Latine, de Ernout e Meillet atesta­rá essas informações.

Mitômanos
Castro Lopes, em suas Ori­gens de Anexins, Prolóquios, Locuções populares, Siglas etc. (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1909:63-6), explica-nos a con­tento muitas coisas interessan­tes, como o fato de que IHS não representa a abreviatura de Iesus Hominum Salvator (Jesus Salva­dor dos homens), nem a sigla de "Jesuíta, homem sábio (ou san­to)", mas apenas a abreviatura em grego do nome de Jesus (iota, eta e sigma). Mas, em seus Neologismos Indispensáveis (Rio de Janei­ro: Francisco Alves, 1909:27-9), propõe bobagens, como, para substituir o fr. avalanche, o termo "runimol", acrônimo formado das iniciais das palavras ruere (ruir), nix (neve) e moles (massa), isto é, "massa de neve que rui".
Em matéria de etimologia, Castro Lopes também cometeu desli­zes graves, como o de tentar deri­var "carnaval" de lupercália ou de "canto arval". Mais recentemen­te, Silveira Bueno (Tratado de Semântica Brasileira. 4ã ed., São Paulo: Saraiva, 1965:115) ten­tou derivar gringo de uma canção americana começada com a ex­pressão "green grow", que a cava­laria americana cantava no sécu­lo 19, na época da guerra contra o México, embora o termo "grin­go" já constasse de um dicionário de Esteban de Terreros y Pando, publicado na Espanha, um sécu­lo antes da canção americana e da guerra contra o México, se­gundo informação do Corominas (Diccionario Critico Etimológico de la Lengua Castellana. Madri, Gredos, 1976: s.v.).
No quesito imaginação, Gil­les Ménage (1613-1692) ganha­ria o Oscar: em seu Dictionnaire Etymologique (1694), forma­do a partir do desenvolvimen­to de sua obra de 1650, Origi­nes de Ia Langue Française, ele "deriva" haricot (feijão) de ra­ba; laquais (lacaio), de verna; e quille (bola) de squilla (sino), por exemplo.

Defeitos e virtudes
É verdade que Ménage tem virtudes, e muitas de suas eti­mologias são verdadeiras, mas a sua imaginação para estabelecer a pretensa cadeia evolutiva en­tre o étimo e a forma atual (es­ta tão distante fonologicamente daquele) leva o consulente bem-intencionado a descrer da obra toda.
Teria sido melhor, talvez, que ele tivesse ficado apenas com seus versos galantes e mundanos, mas, certamente, não teria hoje o seu nome lembrado. Ganhou com suas bobagens mais que os quinze minutos de fama preconi­zados pelo artista pop Andy Warhol. Sabe-se que foi Eróstrato que, em 356 antes de Cristo, in­cendiou e destruiu o Templo de Diana (ou de Ártemis) em Éfeso, uma das sete maravilhas do mundo antigo. Mas até hoje não se sabe o nome do arquiteto que projetou esse templo.

 Cuidados com o spam

É possível reconhecer mensagens e afirmações falsas espalhadas por meio da internet. Confira algumas dicas para não cair no conto do vigário:

Falsas referências - Desconfie da mensagem que remete a origem da informação a fontes de difícil acesso.
Sem link - A mensagem sem fundamento não apresenta o endereço eletrônico que originou a informação divulgada.
Atenção ao tom - Veja se a mensagem contém sinais de ter sido criada só para chamar atenção. Trechos inteiros costumam vir em maiúsculas só por estardalhaço.
Consulte outras fontes - Alguns especialistas no idioma, institutos de pesquisa e algumas universidades possuem sites e publicações em papel, com contatos disponíveis.
Consulte um dicionário etimológico - Na falta de um à mão, o Houaiss eletrônico pode ser de grande ajuda. (LCPJ).


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